segunda-feira, 14 de agosto de 2017

de como nenhum povo é tão bom a odiar-se a si mesmo quanto o português mas que nenhum estrangeiro caia na tentação de o depreciar: recomendações para turistas





















Comentando uma grosseira descrição da essência do culto do Divino Espirito Santo - como se fora apenas distribuição de pão, vinho e carne, sem reclamar nada em troca - um italiano de que não cheguei a ver rosto (muito importante, esta coisa da observação dos rostos) -, sem grande empenho e talvez apenas a cuidar que estaria a ser gentil, voluntariou a confissão de qualquer coisa como “nada que se possa ver em Portugal”.
Dei-me por contente em apenas ouvir pela janela aberta. Porque fervi: “Olhem-me este filho-da-puta… É bem certo que a Itália não existe verdadeiramente para um italiano; para ele há a Sicília, há Milão e uma porrada de dialetos com tudo o que estas coisas da língua implicam. Mas há também um ror de coisas que este cabrão não sabe acerca do sítio em que veio parir disparate.” Pensei eu com os meus botões.
Se há coisa que eu sei de seguro é que os humanos são essencialmente iguais em qualquer canto em que a Terra calhe ser habitada. Foi o que disse há bem pouco com a mais absoluta sinceridade a uma jovem alemã com quem me sucedeu o desastre de perguntar-lhe se a sua mãezinha era judia. (Era bela como as flores, a rapariga. Mas isso agora não interessa).
Mas depois das verdades universais – porque a verdade não tem outra maneira de ser – há maneiras de ser que são pátrias. E passam pelo leite da língua. Por exemplo: não creio que outro povo à face da Terra saiba odiar-se a si mesmo tão vigorosamente quanto o português. Mas a merda fica séria se algum “estrangeiro” se embala na tentação de nos depreciar.
São tristezas que acontecem a todos. Só os ingleses eram alegres (isso mesmo, pretérito imperfeito…), nessa elegância de saberem rir de si próprios. Os franceses serão, talvez, os mais patéticos de todos na maneira de se acreditarem ser o que nunca foram. (E hoje então… )
E podia continuar por aqui afora, soubesse eu assim tanto acerca dos “outros”.

Bom, mas isso agora não interessa.
Voltando ao nosso umbigo e à boa maneira de um estrangeiro lidar com ele.
Porque o português tem a desgraça de - mais do que qualquer outro povo - adorar saber o que os “outros” pensam de si*, o estrangeiro não aclimado padece da tentação de ser hagiográfico.
Mau caminho. Como nos odiamos a nós mesmos, qualquer encómio parecer-nos-á refolho.
A maneira certa de um “estrangeiro” contender esta aflição em que os deixamos, aprendi-a eu na leitura e audição de entrevistas a “estrangeiros”. Nessas entrevistas calha-se muitas vezes ouvir ou ler um entrevistado com neurónios mais aplicados. E inevitavelmente, mais tarde ou mais cedo, vai levar com a estocada de ser inquirido acerca do que pensa de nós.
Os mais lúcidos salvam-se assim:

(Breve hesitação – figurada com os três pontinhos no caso de entrevistas impressas. Mas convêm mesmo que seja breve porque, se muito arrastada, a malta desconfia logo de qualquer marosca.)

Depois, qualquer coisa como isto:

“- … Os portugueses são absolutamente geniais na sua capacidade de improvisação. Como é que vocês dizem? ….A ‘desenrascar!’”

Não haverá um único português que não entenda o verdadeiro significado de uma afirmação tão cortês: somos displicentes, deixamos tudo para a última hora, não planificamos, não estudamos as coisas, … Enfim, vamo-nos safando com uma mão por baixo, como os ébrios e as crianças.
Ou seja: é necessário que um estrangeiro seja capaz de nos descrever na nossa maneira de ser odiosos mas é imperioso que o faça com afeto e gentileza.
Em contrapartida, de um “estrangeiro” o português suporta estoicamente toda a espécie de patifarias e indelicadezas, toda a sorte de coisas que nunca estariam dispostos a consentir de um compatriota.

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Para um povo tão ansioso de saber o que os outros pensam de si, há até uma gorda bibliografia que trata de coligir tais coisas…

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