terça-feira, 4 de outubro de 2016

p. 228 (notas de leitura)

De Mário Soares já quase tudo se escreveu. Marcello Caetano, com muita graça – tudo tem graça quando se graça de Mário Soares -, também o resumiu na sumária descrição de “um medíocre advogado da Rua do Ouro”.
Jorge Lacão, sem direito a páginas dedicadas, aparece-lhe aqui a funcionar para Soares na qualidade de secretário e na figura militar de um ordenança. Abria a porta a Saraiva para uma das entrevistas com Soares, que lhe dá novas de uma europa com muita graça, contada precisamente pelo homem que “nos meteu na europa”:

“Nessa noite, Mário Soares – que era deputado ao Parlamento Europeu, por onde passou entre 1999 e 2001 [e onde amuou ao embaraço porque a certa altura queria ser não sei o quê e o preteriram a favor de uma senhora qualquer…] – levou o serão a ridicularizar deliciosamente certas práticas que lá existiam. Descreveu as votações, que eram muito rápidas, pelo que ninguém sabia o que estava a votar. As leis eram designadas por números e os deputados de cada grupo parlamentar guiavam-se pelas indicações de voto do elemento que fazia de ‘ponto’, dizendo se eles deviam votar a favor, contra ou abster-se.Uma farsa! Não havia vontade individual. [tudo isto me faz lembrar qualquer coisa igualmente "engraçada" mas mais doméstica, que não lhe devia ser nada estranha…]
Outra história: quando as reuniões eram em Estrasburgo, empacotavam-se em caixotes os documentos de cada um dos 754 deputados – formando-se depois um cortejo de camiões TIR entre Bruxelas e Estrasburgo. É óbvio que a maioria esmagadora dos caixotes ia e vinha sem ser aberta. Os caixotes andavam a passear na estrada. E tudo isto custava milhões. Um desperdício! Soares contava estas histórias com muita graça.”

Enfim, como se não nos bastasse a “graça” doméstica, Soares – na sua qualidade de homem “que nos meteu na europa” –, arranjou maneira de nos acrescentar esta. Mas Saraiva dá-nos notícia de outras histórias edificantes, como aquela da prioridade de uma noite bem dormida sobre a ameaça de uma bancarrota:

“[Q]uando Soares era primeiro-ministro (em 76, 77 ou 78?) recebe um telefonema de Silva Lopes, governador do Banco de Portugal, às 2h da manhã. Este diz-lhe que o país vai cair em bancarrota ‘amanhã’, Soares responde-lhe: ‘Ó homem, então amanhã, quando cairmos em bancarrota, avise-me. Mas agora deixe-me dormir!’" 

Isto teria graça se fosse o Zé a responder ao tipo do banco por incumprimento nas prestações do carro. A meu ver, deixa de ter assim tanta graça quando o Zé é primeiro-ministro e a traquitana é o país. Mas achou-se graça. Mário Soares foi sempre muito engraçado.
E o país foi sempre a sua traquitana.

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