quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

"vidigueira, antão vaz - ato IV - a inspiração"



Por uma única razão - o mais badalhoco dos egoísmos - hesitei muito na partilha deste segredo. Tanto quanto posso ir vendo, os alentejanos vêm sendo de maior resiliência; compreensivelmente, devem entender que é coisa lá deles, ninguém tem nada a ver com isso e não estão para o dar a ver ao mundo. Não se vá dar o caso de acabarem por não ter bolsa para ser deles. Afinal de contas, os monocastas de touriga nacional estão pela hora da morte e já não é com o salário mínimo que se lhe lança os beiços. Ao que parece, não são mais de 600 ha, um nadinha de nada que convém não dar nas vistas num país que ainda não perdeu o amor à vida ...
Acabei agora aquela que julguei ser a última garrafa de "Antão Vaz - Ato IV - A Inspiração". Em angústia, pousei isto e fui à cave, não se fosse dar o caso de poder estar enganado. Deo gratias, estava, e ainda tenho uma caixa que já aqui está aos meus pés.
A "Antão Vaz", como todas as coisas imensas, tem origem que se encova no nevoeiro do mistério. Sem que se saiba, tão pouco, porque se chama assim e não "Vaz Antão", ou então.
Estou farto de pensar e não vejo o acaso em que me cheguei a ele. De fonte segura posso-vos garantir que enquanto eu pedia tinto - o meu estomago é sensível e Portugal não prima pelos brancos -, nos tascos alentejanos ali por Moura, Cuba, Viana e Vidigueira, por balcões e travessas só se vê canecos de branco e isso é sinal para a maior das bestas. 
Em vinha velha não há notícia dele sem ser na Vidigueira. Os enólogos descrevem-no como um vinho perfumado, "estruturado" (?), "firme" (?) e encorpado com falta de acidez. Como não tem acidez - o meu estomago dá-lhe as boas vindas e nunca me dá patada - há a tentação de o aburricar em "roupeiro" e "arinto" (outro tanto por aí se anda a fazer com a touriga nacional - fs. da p., perdoai-lhes, Senhor).
Inábil, eu descrevê-lo-ia como "gordo" e fresco, uma coisa do arco-da-velha. Sim, são estas as palavras que usaria; encorpado como um bom tinto - a deixar a boca macia e quente - ao mesmo tempo que amarra a frescura de um alvarinho, vá lá perceber-se uma coisa destas.

Estes são os meus votos de bom ano novo para todos.

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